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COLUNISTAS / Café sem censura

A crucificação por trás do preconceito

11/06/2015

Um fato ocorrido no último domingo na passeata LGBTS – uma pessoa encenando estar crucificada – gerou muita polêmica e discussões por todo o país. E muitas foram as manifestações de repúdio contra o ato dessa pessoa.

Isso já era esperado. Afinal, algo tido como sagrado por uma religião foi utilizado para atrair a atenção e gerar a reflexão a respeito de um determinado tema. Entretanto, muitos defendem que tal atitude, ao invés de gerar a reflexão, apenas foi o estopim para a propagação de mais ódio e intolerância. 

Porém, penso que a ação individual dessa moça trouxe reflexão. A mim, pelo menos. Confesso que ainda não formulei uma opinião definitiva sobre a questão e alguns questionamentos invadem a mente. 

Sempre fui contra qualquer desrespeito à religião, seus símbolos e suas crenças, seja ela qual for. Por exemplo, enquanto muitos defendiam a liberdade de expressão do Charlie, sob minha óptica, eles estavam desrespeitando as religiões e seus símbolos em suas charges, mas deixo claro que também penso que nada justifica as atrocidades cometidas pelos fanáticos.

Voltando ao caso dessa moça, pelo que entendi, ela quis passar a mensagem de que era crucificada toda vez que sofria preconceito pela sua homossexualidade. Crucificada por pessoas que não a conheciam, crucificada pela Igreja, crucificada pela própria família. 

Oras, a crucificação, no tempo de Jesus, era a pena (de morte) aplicada a pessoas que cometiam crimes. Jesus foi crucificado injustamente sem cometer crime algum por pessoas intolerantes e preconceituosas aos seus ensinamentos. 

A partir daí é que me surgem perguntas que me levam à reflexão. O preconceito existe nesse mundo e é uma pena duramente carregada pelas pessoas que o sofrem.

Qual o crime que essa moça cometeu para ser crucificada, ou seja, sofrer a pena do preconceito? 

O que levou as pessoas religiosas a se indignarem? O fato dela se utilizar da cruz (um instrumento de tortura), que é tida como sagrada pelos religiosos, ou o fato de ter sido uma homossexual a utilizar-se da cruz para passar sua mensagem? 

O que deveria ser mais sagrado para os religiosos, a cruz (instrumento de tortura) que levou Cristo à morte injustamente ou os ensinamentos do Mestre? 

A cruz já não é considerada como um fardo, um símbolo de injustiça? Já não usamos a cruz para simbolizar as dificuldades enfrentadas no dia a dia? Não dizemos frequentemente que é uma cruz agendar consulta com um médico ou fazer um exame no sistema público de saúde? Não é uma cruz que o desempregado carrega diariamente quando sai em busca de trabalho?

Se a passeata fosse realizada em prol de crianças carentes e abandonadas e utilizassem uma criança na cruz para simbolizar que muitas crianças estão sendo torturadas e condenadas à morte pela situação que se encontram, os religiosos ficariam indignados? Achariam que seria um desrespeito à religião?

Da mesma forma, se fosse uma manifestação contra a discriminação racial e utilizassem da cruz para representar a injustiça do preconceito que os negros sofrem ate hoje, despertaria tanta indignação?

E uma pergunta a todos nós, cristãos: o que diria o grande Mestre? Jesus ficaria mais indignado com a moça que usou da cruz para chamar a atenção ao preconceito que sofre ou ficaria mais indignado com o preconceito que os homossexuais sofrem, inclusive dos religiosos?

Não estariam os revoltados de hoje agindo da mesma maneira intolerante que aqueles que condenaram injustamente Jesus à morte na cruz?

Por ainda não ter chegado a uma conclusão definitiva sobre o tema, fico com a de Tico Santa Cruz, que por enquanto é a que mais se aproxima daquilo que penso.

‘…Concluo que diante dos fatos, Jesus Cristo se sentiria mais ofendido em ver pessoas usando o nome dele para pregar ódio e perseguição do que pelo fato de alguém estar usando a imagem de sua crucificação, que foi causada justamente pela intolerância, para mostrar que estamos chegando a níveis perigosos de falta de amor’.

COLUNISTAS / Savio de Carvalho

Sávio de Carvalho Pereira, natural de Lorena, é pai da Luane e mestre em Engenharia Química pela Faenquil (hoje EEL-USP). Amigo, leal, bem humorado, teimoso, é realista, mas sem perder o idealismo, sobretudo quando se trata de construir um mundo melhor para se viver, onde haja harmonia entre o ser humano e o meio ambiente.


saviocp@outlook.com

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