Ruas escuras, com várias lâmpadas apagadas em todas as regiões da cidade, criando uma situação de insegurança para quem precisa transitar por esses locais.
Apagão? Não, ainda não estamos enfrentando o racionamento de energia elétrica. Isso é resultado de uma irresponsabilidade da administração pública e seus órgãos reguladores. E, novamente, quem sofre as consequências é a população.
O porquê de tudo isso
Vamos entender o que está acontecendo: até 31 de dezembro de 2014, todo o sistema de iluminação pública era de responsabilidade das empresas distribuidoras de energia elétrica. No nosso caso, a EDP Bandeirante. Era ela que acionávamos quando uma lâmpada de um poste estava queimada.
Mas em 9 de setembro de 2010, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) publicou a Resolução Normativa nº 414, determinando que a distribuidora deve transferir o sistema de iluminação pública, registrado como Ativo Imobilizado em Serviço (AIS), à pessoa jurídica de direito público competente; no caso, os municípios. Em outras palavras, os municípios devem se tornar responsáveis pelo serviço de iluminação pública, ou seja, realizar, entre outras atividades, a operação e a reposição de lâmpadas, de suportes e chaves, além da troca de luminárias, reatores, relés, cabos condutores, braços e materiais de fixação.
A data inicial era 31 de janeiro de 2014, mas foi prorrogada para o dia 31 de dezembro de 2014. “O prazo foi estendido para que os municípios tivessem tempo ainda maior para se planejar e se preparar para essas mudanças”.
Essa decisão da ANEEL está fundamentada no art. 30 da Constituição Federal, em seu inciso V, que estabelece competência aos municípios para organizar e prestar serviços públicos de interesse local, inserindo-se aí a iluminação pública. Conforme o artigo 149-A da CF, a cidade poderá dispor, de acordo com lei específica aprovada pela Câmara Municipal, a forma de cobrança e a base de cálculo da CIP (Contribuição de Iluminação Pública), taxa que já pagamos há alguns anos em Lorena.
Embora a decisão da Aneel esteja baseada na Constituição Federal, essa medida tem sido questionada na justiça por vários municípios. Segundo o advogado especialista no segmento de iluminação pública e em direito processual tributário Alfredo Gioielli, a regulamentação da agência é inconstitucional. “A Aneel não tem o poder de obrigar as concessionárias a transferirem seus ativos para os municípios e nem esses de os receberem”.
Para Gioielli, ao publicar essas resoluções, a Aneel exorbita sua competência, já que o decreto-lei 3.763/41, determina que o estabelecimento de redes de distribuição e o comércio de energia elétrica dependem exclusivamente de concessão ou autorização federal. Tal regra, em consonância com o artigo 175 da Constituição Federal, confere competência somente à União para tratar da referida matéria, mediante decreto emanado por ato da Presidência da República e não por resolução da Aneel.
Descaso com a população, como sempre…
É importante destacar que antes de transferir os ativos de iluminação pública às cidades, as distribuidoras de energia elétrica deveriam verificar e corrigir possíveis falhas e substituir os equipamentos danificados, para que o sistema fosse entregue em perfeito estado de funcionamento. É um direito do Poder Público Municipal e um dever das distribuidoras locais.
Além disso, a Aneel deveria obrigar as concessionárias a entregar um inventário de iluminação, ou seja, um cadastro atualizado de todos os pontos de iluminação para as prefeituras. Entretanto, a resolução da Aneel não especifica, em nenhum momento, que esse inventário deve ser entregue ou feito. E ao longo desses anos, muitos equipamentos instalados ficaram obsoletos. Hoje, os municípios estão recebendo algo de que não têm conhecimento.
Essa é a razão do impasse que se instalou na relação entre a Prefeitura de Lorena e a EDP Bandeirante e que tem causado transtornos à população.
Em nota oficial, a Prefeitura contesta um e-mail recebido da EDP Bandeirante, no qual a empresa afirma ter entregado à Prefeitura o chamado “Termo de Responsabilidade para transferência dos ativos de iluminação pública perante à Aneel”, declarando que os mesmos estão em condições de operação e em conformidade com as normas e padrões disponibilizados pela distribuidora e pelos órgãos oficiais competentes.
Segundo a Prefeitura, a empresa não encaminhou a documentação de forma correta. O prefeito Fábio Marcondes, no dia 2/2, ao abrir os trabalhos da câmara municipal, afirmou que em 60 dias será feito o processo para contratar uma empresa que realizará a manutenção na iluminação da cidade. O prefeito também informou que não foi possível providenciar tal medida antes devido à EDP Bandeirante não ter fornecido o inventário de iluminação, dificultando a elaboração de uma licitação para a contratação desse serviço.
Independente de quem tem razão nesse imbróglio, quem está sofrendo as consequências da falta de planejamento e irresponsabilidade da administração pública na tomada de decisões é a população, que além de pagar (muito) caro pela energia elétrica e tarifas de iluminação, ainda se vê obrigada a conviver com a sensação de insegurança ao transitar por ruas escuras, pela falta de manutenção na iluminação pública da cidade. E pelo visto, a solução ainda vai demorar pra acontecer…