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COLUNISTAS / Perai, vem cá

O café, o jornalista e o amor

09/09/2016

Por Danilo Passos

Sabia que o amor é controverso? Ele muda as nossas opiniões.

Ela estava na biblioteca desfrutando de um livro que lhe causava interesse. Seus cabelos loiros ondulados se contemplavam com os olhos negros arregalados para a obra em suas mãos. Após algumas páginas viradas, a moça avistou um homem vindo ao seu encontro. De porte médio, magro, moreno, cabelos enrolados e olhos castanhos. Trazia consigo um notebook, jornais e um copo médio de café até o topo. O homem jogou tudo na mesa em que a mulher estava sem reparar que ali já estava ocupado. Segundos depois, ele percebeu que seria um intruso.

– Oh! Desculpe-me – disse.

E começou a arrumar seus pertences.

– Não! Fique à vontade! – respondeu a mulher dos cabelos ondulados.

– Pois bem! Obrigado! – o homem se afobou. – Este artigo está me tirando o sono.

Ajeitou o seu notebook e jornais na mesa, em seguida, sentou-se de frente à moça.

– Artigo? – indagou a mulher.

– Sim, sim! Oh! Que desatenção! Prazer, Henrique! Jornalista! – levou sua mão de encontro à moça, que o cumprimentou imediatamente.

– Prazer, Ana! Professora! – ela sorriu.

O jornalista começou a digitar em seu notebook e tomou um gole de café.

– Está quente! – disse, fazendo uma careta de repulsa.

A professora riu. Um pequeno silêncio pairou sobre os dois.

– Desculpe-me a intromissão, mas qual o tema do seu artigo? – ela perguntou.

– Amor! – respondeu o jornalista com um enojo batendo o pulso na mesa.

– É um tema perfeito… – Ana sorriu.

O jornalista encostou-se a cadeira e a fitou seriamente.

– O que foi? – ela perguntou instigada.

– “Diário de uma paixão”, Sparks! – disse Henrique sobre a capa do livro nas mãos dela. – Está explicado! Uma iludida!

Ela deu de ombros. Sem entender.

– Como assim “iludida”?

– Livros românticos e olhos brilhantes… – ele voltou sua atenção para a tela do computador. – …Ilusões e mais ilusões.

Ana deixou seu livro de lado e encarou Henrique.

– O amor não é apenas ilusão.

– Não mesmo, é decepção também.

– Nem isso! Amor é sentir-se bem!

– Eu me sinto bem com uma música que gosto, um filme que admiro ou um livro que leio. Amor é querer se sentir bem, mas não se sentir assim.

– Tudo que queremos, poderemos conseguir.

– Usou o verbo na conjugação correta. “Poderemos”. Uma hipótese. Arriscada.

A professora ficou impressionada com a tamanha rigidez do jornalista.

– Suas colocações são dignas de uma pessoa meramente fria e racional.

– Pois saiba que eu sou uma emoção ambulante.

– Não parece!

– Pois sou! Ou era! Um romântico incorrigível.

– Está explicado! Você sofreu uma grande decepção amorosa – a professora riu.

– Não existem “decepções amorosas”, quando já sabemos o que irá acontecer junto a alguém. Quando estamos cientes sobre o fim de um relacionamento.

Ana ficou instigada. E Henrique tomou mais um gole de seu café que começava a esfriar.

– O jornalista é vidente? – ela ironizou.

Henrique elevou a sua sobrancelha num tom de dúvida.

– Pois bem – ele disse. – observe este copo de café, há alguns minutos atrás estava quente, mas em questão de pouco tempo ele começa a esfriar. Café frio não agrada a todos. O amor é como o café, saboroso, enquanto quente, amargo, enquanto frio.

E voltou sua atenção para o seu notebook. Ana respirou fundo e continuou.

– O senhor está sendo muito radicalista. Sabia que o café se requenta?

– Mas não fica o mesmo gosto.

– Gosto é muito pessoal. Cada um tem um paladar apurado. Eu gosto de café requentado.

– Porque é uma iludida.

– Não. Porque sou romântica.

– A senhorita tem namorado? – perguntou o jornalista.

– Não.

– Então há de convir comigo que não tem como dizer que és romântica.

– Não preciso de alguém para ser romântica.

– Mas precisa de alguém para testar o seu romance – disse ele. – As pessoas acham que sabem amar, principalmente aquelas, que se perdem em livros e filmes românticos. Mal sabem elas que são pura ficção.

– O amor é tão simples…

– Muitos dizem isso. E ainda complementam com “as pessoas que complicam” – Henrique soltou um leve riso. – E pode notar que a maioria que diz isso, são aquelas pessoas que beijam outras pessoas, mas não querem comprometimento.

– Muitos não se apegam. Mas amam.

– Amar sem se apegar, não existe.

– Mas pode virar um amor não correspondido.

– Amor não correspondido, é amor.

A professora ficou mais instigada ainda com a colocação do jornalista.

– Mas o verdadeiro amor é ser correspondido.

– Também – ele concluiu e tomou mais um gole de café. – Há quem ama e sabe que não irá resultar em nada e ainda assim é amor.

– Ou acha que é amor.

– É amor – ele bateu o pulso mais forte na mesa.

A professora se espantou (e ficou brava).

– O senhor tem namorada? Noiva? Mulher?

Ele revirou os olhos.

– Sobrevivo sem um beijo.

– Você precisa é amar! – ela se levantou.

– E você ler romances sem se apegar aos contextos deles – Henrique também se levantou.

Enquanto Ana caminhava para pôr o livro de volta a uma das estantes numerosas daquela biblioteca, Henrique seguia atrás dela.

– Vou ver se acho um livro com algum estudo sobre esse sentimentalismo infame – dizia ele enquanto caminhava.

– Será difícil você escrever sobre um tema, sem acreditar no mesmo.

– Não preciso acreditar em algo para falar.

– Mas precisa vivenciar.

– Ana, seus cabelos ondulados são muito bonitos para você dizer asneiras.

– Meus cabelos são bonitos? – Ana parou e se virou para ele.

– Sim, sim – os olhos do jornalista brilhavam.

A professora se aproximou ainda mais.

– Somente os cabelos?

– Você é uma professora muito bonita… – ele disse, engasgando.

– Sou?

– Sim, sim – respondeu.

– Olhos brilhando… – ela se aproximou dele -… Elogios gentis e respostas curtas… – chegou mais perto. E subitamente o beijou. Quando seus lábios se desencontraram de Henrique, ele a beijou.

– Acho que alguém está começando a se… – Ana iria dizer “se apaixonar”, mas Henrique a interrompeu.

– Te achei atraente, bem antes de me sentar naquela mesa. E aquele engano em eu me assentar no mesmo lugar que você, foi proposital. Ana ficou surpresa, sorriu subitamente e o café continuava na mesa.

Então, sabia que o amor é controverso? Ele muda as nossas opiniões. – chegou mais perto.

Bibliografia:
Danilo Passos é escritor, roteirista e graduando em Letras pela FATEA e pesquisador do PIBIC – CNPq com pesquisas nas áreas de Estudos Literários e Educação. Algumas de suas pesquisas foram premiadas em congressos como na FATEA e na Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI. Em 2014 ganhou o X Festival Gato Preto de Lorena com o curta-metragem “Álvares”, inspirado em fragmentos poéticos de Álvares de Azevedo.

COLUNISTAS / Academia Jovem de Letras

Espaço reservado às produções dos acadêmicos da Academia Jovem de Letras de Lorena.  Membros da AJLL: Beatriz Neves, Camila Loricchio, Danilo Passos, Gabriela Costa, Gustavo Alves, Gustavo Diaz, Heron Santiago, Isnaldi Souza, Jéssica Carvalho, João Palhuca, Julia Pinheiro, Lelienne Ferreira, Lucca Ferri, Samira Tito, Thiago Oliveira, Vânia Alves e Wagner Ribeiro.


samira_007_@hotmail.com

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