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Trabalho x fadiga entre os trabalhadores de Enfermagem e os distúrbios do padrão de sono

25/09/2015

Mafu iniciando palestra no I Congresso Nacional Científico dos Enfermeiros, no Centro de Convenções de Pernambuco, em Recife
Foi com a temática acima que tive a honra de ser palestrante no I CONCE (Congresso Nacional Científico dos Enfermeiros), organizado e realizado pela FNE (Federação Nacional dos Enfermeiros), sob a presidência da grande lutadora pela Enfermagem, dra. Solange Caetano, no Centro de Convenções de Pernambuco, em Recife, nos dias 2, 3 e 4 de setembro.
Esse Congresso bem poderia ser chamado de, no mínimo, Pan-Americano, pois tivemos palestrantes e congressistas de diversos países, além de grandes personalidades brasileiras. Eu mesmo apresentei depois de uma enfermeira norte-americana e uma paraguaia.
Na abertura, houve a confraternização dos congressistas no Paço da Alfândega, também em Recife.
 
Confraternização entre os congressistas na abertura do I CONCE

Para entrar no assunto, precisei falar sobre uma disciplina que acho que deveria ser incluída nos cursos de saúde em geral: a Cronobiologia. A Cronobiologia tem como uma de suas metas centrais estudar as características temporais da matéria viva, em todos os seus níveis de organização, o que inclui o estudo dos ritmos circadianos. 
Os ritmos circadianos são ritmos biológicos que variam em torno de 24h e podem ser eventos bioquímicos, fisiológicos ou comportamentais importantes para sobrevivência. Estes ritmos são controlados por sincronizadores externos, como a luz, a alimentação, entre outros, mas também persistem sem estas pistas ambientais, o que os caracterizam como ritmos gerados endogenamente, nosso relógio biológico. Isso explica o porquê de, mesmo em condições de completa escuridão, nosso organismo despertar funções como fome, sono, etc.. É o que explica também como um cego de nascença sabe os horários das refeições, sono, etc..
O nosso sono tem de 4 a 5 ciclos de 90 a 120 minutos e são chamados de sono REM e NREM.
Sono NREM (Nom Rapid Eye Movement – não movimento rápido dos olhos), corresponde a 75% do sono de cada ciclo e é dividido em estágios 1, 2, 3 e 4.
Estágio 1 – início do sono, são os primeiros 15 minutos em que estamos adormecendo, os sonhos são fatos do cotidiano. Estágio 2 – É a fase onírica em que sonhamos com fatos de difícil lembrança, pois estamos indo para o sono profundo. Estágios 3 e 4 – são os estágios de sono profundo. Nesses estágios, ocorrem o que chamamos de sono reparador, com regeneração das células do corpo, reenergizando-nos.
Na segunda fase de cada ciclo ocorre o sono REM (Rapid Eye Movement – movimento rápido dos olhos). É semelhante ao estado de vigília e corresponde a 25% do sono de cada ciclo; é quando os sonhos ocorrem e nos lembramos, é a fase ideal para despertamos.
Ronco e apnéia, ruído, luminosidade, doenças, etc., afetam diretamente o nosso sono, trazendo prejuízos enormes para a nossa saúde física e psíquica.
Mesmo antes do advento da luz elétrica, que, levada para as fábricas, disseminou o trabalho noturno, a Enfermagem já virava plantões noturnos. Não é por acaso que o símbolo da nossa profissão é a lâmpada, que fora conduzida nas enfermarias dos campos de batalha na Guerra da Criméia, por Florence Nightgale, para avaliação e cuidados com os soldados, pois, diferente dos motores e máquinas, o ser humano enfermo requer cuidados nas 24 horas do dia.
 
Representação de Florence Nightgale e a famosa lâmpada, símbolo da Enfermagem, que já trabalhava à noite mesmo antes do advento da luz elétrica
O enfermeiro e as demais categorias da Enfermagem que trabalham em hospitais realizam suas ações em sistema de turnos. A prestação de serviços acontece nas vinte e quatro horas do dia e nos sete dias da semana, ininterruptamente. 
Alguns pesquisadores têm se interessado em avaliar os efeitos do trabalho em turnos sobre as variáveis fisiológicas e psicofisiológicas nos enfermeiros; porém, acredita-se que há outras variáveis que poderão estar relacionadas ao trabalho em turnos e que ainda não foram muito exploradas.
 
O trabalhador noturno, por inverter o ciclo sono-vigília, de dormir durante o dia e trabalhar durante a noite, induz a uma dessincronização dos ritmos biológicos e cicardianos. 
Essa desordem da estrutura dos ritmos circadianos causa mal estar, fadiga, sonolência, insônia, irritabilidade, prejuízo da agilidade mental e do desempenho e, consequentemente, diminuição da eficiência.
Morbidades do trabalho noturno, ponto importante e muito questionado

Para compensar, resta o sono diurno, que é prejudicado pelas condições ambientais não favoráveis, como iluminação, ruídos e acontecimentos domésticos, modificando a distribuição das fases do sono e interferindo em sua propriedade restauradora. 
A dessincronização dos ritmos circadianos, em longo prazo, pode levar a distúrbios severos e persistentes do sono, como fadiga crônica e síndrome psiconeurótica (ansiedade e depressão crônica), requerendo tratamento com drogas psicotrópicas ou hipnóticas. 
Outros sintomas, como varizes, fadiga, cervicodorsolombalgia e irritabilidade, em um percentual acima de 50%, também são apontados em alguns estudos, assim como distúrbios osteomusculares, devido à diversidade de tarefas realizadas pela Enfermagem, desde o preparo de medicação, a verificação dos sinais vitais, até a mobilização do paciente de um lugar para o outro ou de mudá-lo de uma posição para a outra. Isto porque, quanto maior o grau de dependência do paciente, maior a carga de trabalho pelos cuidados a prestar, bem como a duração das posturas penosas. 
A fadiga é o funcionamento excessivo do organismo humano, sendo consequência da requisição intensa e prolongada de músculos, esqueleto, órgãos sensoriais como olho e ouvido, e do cérebro, quer ele em atividade intelectual ou no trabalho físico, coordenando a atividade de outros órgãos. 
A cronificação da fadiga deve-se a um quadro de fadiga acumulada devido à situação de trabalho que não permite suficiente recuperação, mesmo depois do sono e repouso, ocasionando também a Síndrome de Burnout.
      
 
Os trabalhadores que conseguem dormir pela manhã, após atividade laborativa noturna, apresentam um sono com duração que varia de 2 a 4 horas.
O trabalhador retorna ao trabalho em situação de fadiga, diminuindo o rendimento físico, o nível de atenção e perturbando sensivelmente a coordenação motora e o ritmo mental. Por isso, o sono e o descanso adquirem especial importância para o trabalhador noturno, pois as suas condições físicas também podem levá-lo a cometer erros, o que pode ser fatal para os pacientes.
A fadiga visual é conhecida como astenopia, caracterizada por dor e ardor nos olhos, vermelhidão em conjuntiva, piscar frequente, lacrimejamento, intolerância à claridade (fotofobia), visão dupla (diplopia), sensação de visão velada, percepção de auras coloridas em torno dos objetos e instabilidade da imagem, seguidos de outros sinais e sintomas físicos, como cefaléia que se agrava com o cumprimento da tarefa, vertigem, manifestações gastrointestinais, desconforto e irritabilidade fácil, que geralmente está relacionada com a má iluminação, que também é um agravante preocupante para o trabalhador noturno.
Por comerem durante a noite e madrugada, é exigida do corpo a produção de insulina, quando as células deveriam estar em regeneração. Este fato aumenta a probabilidade de diabetes tipo 2 e hipertensão nos trabalhadores noturnos.
 
Mafu com alguns palestrantes, congressistas e organizadores do I CONCE
O desgaste do trabalhador de Enfermagem noturno é uma realidade e as consequências acarretadas à sua saúde e bem estar deve ser fonte de preocupação para gestores e dirigentes institucionais, implicando na busca de soluções. 
A direção de Enfermagem deve conhecer os princípios da Cronobiologia e aplicar o Cronótipo, instrumento que diz se o perfil do profissional é mais matutino ou noturno, identificando, assim, os trabalhadores com perfis para o trabalho noturno e realizar o rodízio entre eles.
O gestor precisa garantir horários de descanso com o oferecimento de locais confortáveis, com boa ventilação / refrigeração, lanches nutritivos, ambientes silenciosos e camas confortáveis, pois se existe o conforto médico, por que não para os outros profissionais do trabalho noturno?
A manutenção de escalas noturnas completas, com trabalhadores que possam suprir as eventuais faltas, poderia diminuir os frequentes aumentos da carga de trabalho noturno, principalmente a carga fisiológica, responsável pelos adoecimentos próprios da fadiga crônica e exaustão adrenal. 
 
Finalmente, faz-se ainda mais necessário que nós, trabalhadores da Enfermagem, vistamos de fato a camisa das 30 horas, tão amplamente divulgado e defendido pela Federação Nacional dos Enfermeiros, de forma a compensar nossos trabalhadores noturnos com a tão sonhada escala de 12 x 60 horas. Desta forma, diminuímos sensivelmente as morbidades e as co-morbidades que a profissão e o horário atual (12 x 36 horas) impõem, tiranamente, aos nossos colegas de profissão. Afinal, se o cuidado integral e permanente é necessário, deveríamos começar cuidando mais de quem CUIDA!
Este é o nosso desafio – 30 horas já!

COLUNISTAS / Mafu Vieira

Valdemir Vieira, popularmente conhecido como Mafu, é formado em Enfermagem e Obstetrícia pela Unitau, pós-graduado em Terapia Intensiva e mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem da USP, com trabalhos apresentados no Brasil e exterior, além de responsável técnico de Enfermagem do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) – Lorena. Professor convidado nos cursos de pós-graduação da Fatea e outras universidades das cidades vizinhas, palestrante dos assuntos de políticas públicas e motivacionais, Mafu também é formado em Professional and Self Coaching, potencializando as lideranças profissionais em diversas empresas e em áreas distintas. Lorenense nato e ex-vereador, está sempre envolvido e atento aos assuntos da cidade e vem, com a mesma performance de colunista que foi do Jornal Guaypacaré, diretamente para a coluna, de mesmo nome, no Portal “O Lorenense”. Com ele, são “Outros Papos”…



maphus@gmail.com

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