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Saúde em foco

21/11/2014

A corte portuguesa nas terras 
dos Quinto dos Infernos e o início sanitário

(Parte 2)
O imposto de 20% ou a quinta parte do peso em ouro era cobrado por Portugal das cidades mineradoras do Brasil-Colônia. Levavam o ouro em navios conhecidos como “naus dos quintos”. A expressão surgiu em Portugal, quando baniam pessoas para cá. O castigo era vir para “o quinto dos infernos – Brasil”. Mal sabiam que um dia…  
Horas antes de Napoleão invadir Lisboa, a corte imperial, com seus fidalgos, artistas, nobres, burocratas, médicos e mais de 10 mil pessoas embarcaram em 20 navios com o que puderam trazer, escoltados pela marinha, com destino ao distante e atrasadíssimo Brasil – O quinto dos infernos… E era mesmo. Depois de quase dois meses de uma viagem terrível, chegaram a Salvador em 23 de janeiro de 1808, quase todos, inclusive as mulheres, carecas devido aos piolhos, com escorbuto (sangramento gengival) e muito mal cheirosos.  Após uma semana de festejos, Dom João abre os portos às nações amigas e, no dia 18 de fevereiro, cria duas escolas de medicina e cirurgia, uma em Salvador e outra no Rio de Janeiro. Em 8 de março, chegam ao Rio de Janeiro e transfere-se a capital do agora Reino para lá, uma cidade terrivelmente mal cheirosa e pestilenta.
Com aproximadamente 60 mil pessoas, sendo a grande maioria de escravos e pardos, as casas das terras de São Sebastião eram pobres e insalubres para receber os nobres. As fezes e urina eram jogadas pelas janelas nas ruas ou levadas em tinas pelos escravos até a Guanabara e jogadas ao mar (os negros eram conhecidos como tigreiros devido às manchas mais esbranquiçadas que queimavam a pele, devido à amônia que escorria das tinas). Porcos, patos, galinhas, cabritos e outros animais eram soltos em meio aos dejetos, que também proliferavam ratos, ratazanas, mosquitos e outros vetores… E as doenças multiplicavam a ponto de embarcações se negarem a atracar no vallongo (antigo cais do Rio).
As febres eram vistas como patologia e não sintoma, disenterias, verminoses, desnutrição, tétanos, bexigas (varíola), sarampos, males de Luanda (escorbuto) e de Lázaro (lepra), pleurisias, obstruções, maculos ou achaques de bicho (maculo é o nome de uma doença endêmica entre os escravos africanos no Brasil colonial, que podia acometer também os indígenas e os colonizadores brancos e consistia em uma inflamação do reto, com afrouxamento do esfíncter externo do ânus, eliminação de muco fétido, ulcerações e prolapso do reto, que levava a óbito. Complicava-se com a miíase – berne – do ânus e do reto causada pela falta de higiene e do hábito de defecar na superfície do solo, em meio à vegetação, ao alcance das moscas varejeiras).  Além disso, fraturas, bócios, tifos, tracomas, icterícias, infecções e tantas outras doenças foram corriqueiras e, em grande medida, fatais nos primeiros séculos de existência da colônia, acometendo do escravo ao governador, causando baixíssima expectativa de vida, agravadas com o grande número de mortes maternas e infantis. As poucas famílias mais abastadas buscavam assistência médica na Europa, mas a grande maioria era atendida pelo pagé ou pelos pretos ou pretas velhas benzedeiras.
Foi nesse cenário de abandono (por eles mesmos) que a corte imperial, acostumada à modernidade dos frutos da Revolução Industrial, chegou, apavorada, no Rio de Janeiro.
Resolvidos os entraves burocráticos, Dom João começou a realizar projetos de urbanização que dignificassem a nova capital do império português, construindo casas com fossas, valas para escoar as águas das chuvas e esgoto, ruas largas e praças nos novos bairros, para abrigar os nobres e estrangeiros que vieram com a corte. Iniciou a modernização do porto com fiscalização das mercadorias, a biblioteca nacional, Jardim Botânico, iniciou a organização de um exército com Hospital Militar e a Faculdade de Medicina e a Fisicatura, para fiscalizar a ação dos terapeutas populares, entre outras instituições e medidas.
Entre as práticas da época, existiam os físicos-mor (raros), cirurgiões, boticários, barbeiros sangradores (negros escravos), parteiras (escravas) e enfermeiros (geralmente religiosos).
A prática mais comum era a sangria, que objetivava retirar do doente a causa da doença que estava no sangue. A técnica consistia em abrir uma veia perto do cotovelo com um canivete, retirando assim o sangue do paciente e também a “doença”. Após o serviço, oferecia-se um copo de vinho para reconfortar o paciente. Outra técnica utilizava as sanguessugas, colocando esses vermes hematófagos na pele do paciente, de modo que estes parasitas, ao sugarem o sangue, também retirassem o agente causador da doença. Estas intervenções, apesar de muito comuns, eram feitas sem assepsia e como tiravam uma grande quantidade de sangue de pessoas que já estavam debilitadas, levavam muitas delas à morte, o que ocorreu em diversos momentos.
Outra prática comum foi a cirurgia de amputação de membros, redução de fraturas e luxações, cauterização de feridas, drenagem de abscessos, ligadura de artérias e veias, entre outros, realizadas pelo cirurgião-barbeiro, sem formação teórica, aprendendo sua arte com profissionais mais antigos ou nos campos de batalha.  Realizavam a cirurgia em qualquer lugar, na casa do doente, nos campos de batalha, nos hospitais, sem salas apropriadas, nem anestesia ou assepsia. O paciente era seguro e amarrado por seus familiares ou por ajudantes, para que seus espasmos de dor não afetassem a cirurgia e o paciente só se acalmava quando desmaiava pela dor. Devido às péssimas condições gerais, ocorriam diversas infecções e o paciente quase sempre ia a óbito.
Nesse cenário desolador e até se formarem os primeiros médicos e ganharem a confiança de um povo sofrido, pobre e ignorante, os curandeiros, religiosos e as parteiras práticas foram a escolha da população por longos e longos anos… e perpetua até hoje nos ainda rincões abandonados desse imenso Brasil.

COLUNISTAS / Mafu Vieira

Valdemir Vieira, popularmente conhecido como Mafu, é formado em Enfermagem e Obstetrícia pela Unitau, pós-graduado em Terapia Intensiva e mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem da USP, com trabalhos apresentados no Brasil e exterior, além de responsável técnico de Enfermagem do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) – Lorena. Professor convidado nos cursos de pós-graduação da Fatea e outras universidades das cidades vizinhas, palestrante dos assuntos de políticas públicas e motivacionais, Mafu também é formado em Professional and Self Coaching, potencializando as lideranças profissionais em diversas empresas e em áreas distintas. Lorenense nato e ex-vereador, está sempre envolvido e atento aos assuntos da cidade e vem, com a mesma performance de colunista que foi do Jornal Guaypacaré, diretamente para a coluna, de mesmo nome, no Portal “O Lorenense”. Com ele, são “Outros Papos”…



maphus@gmail.com

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