Como fruto de uma educação inclusiva bem sucedida, reafirmo a importância de que escolas e professores considerem o processo educativo como uma ação dinâmica, que envolve todos os sujeitos que interagem com a cultura da diversidade.
Fui aluna com baixa visão que, em determinado momento, precisou também aprender o Braille para agregar recursos às letras ampliadas do caderno e dos livros. Enxergava meus limites, mas jamais permiti que algo limitasse minha participação nas atividades escolares. Mesmo inconscientemente, professores, colegas de sala e eu, fomos construindo uma relação de cumplicidade, pela observação, pelas atitudes de respeito e de ressignificação do espaço educativo, repleto de todos os estímulos e vivências presentes nesse ambiente. Foi com grande naturalidade que aprendi muito mais do que ler, escrever e realizar cálculos. Conheci o meu lugar no mundo; um lugar que jamais seria estático diante do muito que podemos fazer para transformar os pedacinhos de mundo que passam por nós.
Conquistei uma profissão, tornei-me estudiosa da educação inclusiva e entrei para a academia. Apesar disso e de mais de uma década e meio dedicada a ensinar pessoas com deficiência e professores, percebo que a grande inovação ainda seja o inconformismo frente ao estudante que necessita de recursos diferentes para aprender; um inconformismo capaz de movimentar as pessoas e tirá-las do mundo estático e mecânico, da repetição de conceitos e dos conteúdos fechados, que mais oprimem do que transformam. Essa mobilidade tem que ser capaz de despertar a ação criativa dos sujeitos, de colocá-los numa experimentação profunda para a missão inovadora de empreender o ato educativo.
Enquanto a educação inclusiva não se constituir numa ação empreendedora, ainda iremos nos deparar com professores que fazem apontamentos na lousa sem descrevê-los para que os alunos cegos participem, os que também solicitam para esses mesmos alunos cegos desenharem mapas e, ainda, os que não conseguem compreender a dimensão do currículo escolar dentro do contexto e das muitas histórias de vida que permeiam a formação desses cidadãos. Ensiná-los a ler o mundo significa inseri-los numa cultura e numa realidade formativa que caiba dentro do “eu” particular. Se faltam informações aos docentes sobre como lidarem com a diversidade, pasteurizar uma prática educativa não representará sucesso nessa empreitada. Estabelecer um diálogo e uma relação de confiança/cumplicidade é o primeiro passo para que a inclusão se constitua em uma educação bem sucedida.
Luciane Molina é pedagoga, braillista e pessoa com deficiência visual. Possui pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e em Tecnologia, Formação de Professores e Sociedade pela Unifei (Universidade Federal de Itajubá). Sua trajetória profissional inclui trabalhos com educação inclusiva, ensino do sistema Braille, da tecnologia assistiva, do soroban e demais recursos para pessoas cegas ou com baixa visão, além de atuar desde 2006 com formação de professores. Foi vencedora do IV Prêmio Sentidos, em 2011, e do IV Ações Inclusivas, em 2014, ambos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPCD-SP). Também é palestrante e co-autora do livro Educação Digital: a tecnologia a favor da inclusão. Atualmente, integra a equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SEPEDI), com ações voltadas para a comunicação inclusiva, políticas públicas para pessoas com deficiência visual e Núcleo de Apoio às Deficiências Sensoriais.
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