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O rei dos chatos

24/12/2016

Existe uma árvore copada no jardim da praça Dr. Arnolfo Azevedo que fica bem defronte ao Clube Comercial de Lorena. Ela produz frutos estranho e duros – umas bolas verdes que caem sobre as nossas cabeças e põem em risco o nosso bestunto.

À volta dessa árvore, construiu-se um banco que vive cheio de adolescentes da classe média urbana; eles nada mais fazem senão vadiar por ali e ficar falando da vida alheia e dos últimos bailes e brincadeiras do Clube.

Aí estão alguns deles: o Wilson Branco, o Nei Boca Negra, o Judimir, o Sérgio Mauro, o Caio Octávio Mercier de Castro, o Renato Cabeção, o Paulino Beija-Flor, o Radislau e muitos outros amigos do meu irmão.

A propósito, o meu irmão é o Olavo Leonel Ferreira, que além de exímio pianista, é um sujeito muito espirituoso e divertido. Trocadilhista conhecido, ele envolve tudo e todos com os seus jogos de palavras e histórias cheias de humor.

Ele está para chegar aqui. Esperem um pouco, não é o Olavo que vem apontando lá na esquina da Praça com a rua Principal?

É ele. O pessoal se agita e prepara para a usual recepção ao amigo. Eles começam a gritar:

– Quem é o chato? Olavo! E o rei dos chatos? Olavo! Olavo!

“Eu e o Nacael, irmão do Ariovaldo, estamos nesta noite um pouco agitados.No jardim principal está passeando uma garota linda, encantadora, cujos olhares eu e meu amigo disputamos .
Timidez é um sentimento que me ataca nesta minha juventude. Como abordar essa moça que hoje mora em São Paulo e que passeia ao contrário de nós no jardim? Eu a conheço desde menina, tempo em que ela foi à minha casa, lá pelos meados da década de 50, ensaiar para um show, com meu irmão ao piano, uma música que cantava muito bem, a ‘Cerejeira Rosa’. Eu morava na rua Major Oliveira Borges, num sobrado onde existia, em baixo, um armazém do SAPS e ela foi até lá com a sua irmã.
Mas agora estamos no ano de 1965. Como abordá-la nos dias de hoje? Direi: – Muito prazer, Alceli, eu sou o Olavo, irmão do Olavo, que a conheceu num ensaio cantando a ‘Cerejeira Rosa’! Esperem aí, isso lá é jeito de puxar conversa com uma moça?
Na próxima volta que ela der na praça deixo o Nacael para trás e irei falar com ela. Direi o que me vier na boca e seja o que Deus quiser! Quem sabe se tudo pode vir a dar certo?”

“É de noite nesta Lorena de 1955.Eu moro encima do sobrado do SAPS, na rua Major Oliveira Borges, esquina com a rua São Benedito. Na outra esquina, defronte à nossa, mora num sobrado o fotógrafo seu Isidoro, pai da Regina, uma loira bonita que namora o Olavo Bicuira.
Eu e o Roberto Lico, irmão do Juracy e da Jurema, estamos sentados na calçada olhando a noite. O Roberto, neste momento, está falando sobre um dos seus assuntos prediletos. Ele discorre com uma voz velada e misteriosa sobre discos voadores e seres extraterrestres. Nós dois, tão pequenos e maravilhados com o mistério da vida e da Via-Láctea, estremecemos de emoção e de frio sob este céu estrelado de julho…”

“Esta é a papelaria e gráfica Relâmpago, em plena rua Dr. Rodrigues de Azevedo.De relâmpago ela não deve ter nada, dada a natureza calma e vagarosa dos seus proprietários, o Clóvis Andrade e seu irmão, cujo nome me foge agora.
Além de impressos e vários tipos de papel e revistas, a papelaria também vende livros. Aqui eu comprei os meus primeiros livros, entre eles o “Scaramouche” de Rafael Sabatini e o “Fausta”, de Michel Zevaco. Mas eles estão fechando a venda de livros, que parecem não ter muita saída. A mesma coisa vem fazendo o seu Ballerini, da outra papelaria, onde o setor de livros foi desativado. Às vezes peço ao Arthur ou ao pai, autorização para ir lá no depósito da loja, a fim de dar uma espiada nos últimos livros que lá existem”.

“Você já navegou no rio Taboão?Pois eu e o Luiz Francisco Penha Nunes, o meu amigo Quico, tentamos e não conseguimos.
Eu morava na rua Viscondessa de Castro Lima, numa casa alugada do Abraão, filho da dona Maria Haddad, ao lado da casa de um homem velhíssimo, o pai da dona Bené, esposa do seu Paulo Areco.
Esse correr de casas tinha um quintal enorme e comprido, que ia, invariavelmente, desembocar o rio Taboão, aquele tal riacho que tinha o péssimo costume de inundar periodicamente a cidade.
Nós, eu e o Quico, trabalhamos arduamente na feitura da nossa jangada de troncos de bananeiras, juntados por cordas e barbante.
Confiantes na estrutura sólida do nosso barco, não tivemos qualquer dúvida sobre a nossa sobrevivência aquática e pulamos em cima dele.
Nós dois naufragamos. O frágil barco de bananeiras adernoue afundamos vergonhosamente na profundidade perigosa de um metro de altura.

“O que não falta nesta Lorena dos anos sessenta e setenta são farmácias.Existe a farmácia Nossa Senhora da Piedade do Bilú, frequentada pela elite lorenense. Importante também, é a farmácia do Zé Carlos, filho do seu Roberto de Miranda Alves, de saudosa memória; nela também atendem o Garça, seu irmão, e o Dito.
O seu Raul Penha Nunes, pai do meu amigo Luiz Francisco e da Sônia, casado com a simpática dona Americana, também possui uma renomada farmácia. O seu Raul, posteriormente, passou a exercitar com muito mérito o magistério estadual, ministrando excelentes aulas de Biologia no Colégio do Estado ( foi colega da minha mãe, a professora Maria Antonieta Arantes Ferreira ). Você quer vê-lo indo para a escola? Lá vai ele, guiando impávido a sua bicicleta…
Não esqueçamos, ao elencar as farmácias deste tempo, a excelente Drogany, gerida pelo seu Malerba e pelos filhos Rui e Ivo. Não dá também para deixar de citar, à frente da Drogany, a farmácia Nossa Senhora Auxiliadora, do seu Dotti, pai da Suely. Parece que ainda estou a vê-lo defronte ao seu estabelecimento, de terno branco, os cabelos grisalhos e a indefectível piteira no canto da boca…”

COLUNISTAS / Olavo Rubens

Olavo Rubens Leonel Ferreira é formado em Direito, Ciências Sociais e Pegagogia. É mestre em Educação. Lecionou na Universidade de Taubaté, na Faculdade de Direito de Lorena, nas Faculdades Integradas de Cruzeiro, nas Faculdades Teresa D´Ávila de Lorena e no Anglo Vestibulares. Escreve muito; tem uma meia dúzia de livros publicados e a maior parte do que produziu ainda é inédita. Durante alguns anos publicou crônicas sobre Lorena no saudoso Guaypacaré, dos seus amigos João Bosco e Carolina. Mora em São Paulo.


olavo.rubens@hotmail.com

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