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Crise no abastecimento de água: quem paga a conta é o povo

05/02/2015

Após reajustar a tarifa de água em 2014 e implantar a sobretaxa (multa mesmo) a quem aumentar o consumo, o governo estuda novo aumento nas contas de água a partir de abril. Mais uma vez, é a população sendo responsabilizada e penalizada pela crise hídrica que se instalou no estado de São Paulo. Ou seja, estão apelando para a boa vontade da população, atribuindo a ela, de forma direta ou indireta, parte da culpa pela crise. 
E não é apenas com a falta de água, aumento nas tarifas e aplicação de multas que a população será punida. A crise também afetará os setores industrial e agrícola, que repassarão aos consumidores os prejuízos trazidos pela escassez de água. 
E para desviar o foco dos verdadeiros responsáveis, atribuem a culpa também à falta de chuvas e até em São Pedro, pela sua péssima pontaria. Seria cômico se não fosse trágico.
É claro que por se tratar de um recurso indispensável à vida, todos nós temos que fazer a nossa parte, utilizando a água com consciência e evitando o desperdício. 
Em que pese o efeito das mudanças climáticas que estamos vivendo, a falta de água em São Paulo não pode ser atribuída apenas à ausência de chuvas no último ano. A principal causa para o esvaziamento do sistema Cantareira, maior reservatório da região metropolitana, se deve à falta de investimentos do governo do Estado. Essa é a conclusão do professor aposentado da Escola Politécnica da USP e engenheiro de hidráulica e saneamento Julio Cerqueira Cesar, um dos maiores especialistas na área.
A mesma opinião é compartilhada pela pesquisadora da Universidade de Stanford, na Califórnia, Newsha Ajami, que concedeu entrevista ao Jornal Folha de São Paulo. Ela é diretora do programa Water in the West, voltado para a pesquisa e desenvolvimento de soluções para os problemas de abastecimento de água no Oeste dos EUA. Para Ajami, os problemas no abastecimento de água enfrentados por São Paulo estão relacionados ao mau gerenciamento e falta de eficiência do sistema do Estado e não resultam das condições climáticas anormais. 
 Algo que é pouco divulgado, é que alertas sobre a possibilidade de escassez de água têm sido feitos por especialistas ao governo do estado desde a década de 50. E esses alertas não se baseavam apenas na falta de chuvas, mas também no aumento do consumo, devido ao crescimento da população e das atividades industriais e agrícolas. Entretanto, apesar de inúmeros avisos, todos que passaram pelo governo do estado pouco ou nada fizeram no sentido de promover uma gestão planejada e eficiente dos recursos hídricos. 
Enquanto milhões de pessoas terão que conviver com o racionamento de água, a Sabesp pouco faz para diminuir seu índice de perda, que hoje é de 40%. Ou seja, de toda água que a Sabesp capta e trata, 40% é desperdiçada em vazamento na tubulação, ligações clandestinas e por falta de manutenção em sua rede de distribuição. 
Enquanto pretendem gastar milhões de reais para retirar água de um sistema que está quase vazio (reservatórios do rio Paraíba) para levá-la a um sistema que está quase seco (o Cantareira), nada se fala sobre investimentos para despoluição de rios e represas existentes na região metropolitana de São Paulo. Estima-se que são milhares de quilômetros de rios poluídos, que poderiam servir como fonte de abastecimento de água para essa região. 
Outras questões importantes também têm sido negligenciadas pelos governos ao longo das últimas décadas, como a necessidade de se construir mais reservatórios e de se recuperar e proteger os nossos mananciais. O estado de São Paulo tinha, na época do descobrimento do Brasil, cerca de 80% de seu território coberto pela Mata Atlântica. Hoje contamos com menos de 20% da floresta original. As florestas naturais protegem as nascentes e todo fluxo hídrico. Com esses índices de vegetação, não é de se estranhar que nossos reservatórios estão operando atualmente com o menor nível histórico, já que para ter água é preciso ter também florestas.
E falta de recursos não há. A Sabesp, por exemplo, possui faturamento anual na casa dos R$ 10 bilhões e lucro líquido em torno de R$ 2 bilhões, e tem repassado anualmente aos seus acionistas aproximadamente R$ 500 milhões. Os acionistas estão dando risada, enquanto os usuários choram.
Com a abertura do capital, a Companhia deixou de ser uma empresa que tinha a prerrogativa de fornecer uma prestação de serviços de saneamento básico, contribuindo com a saúde pública, e virou um balcão de negócios. Só se preocupa com o lucro dos acionistas, que estão muito satisfeitos.
Agora que já permitiram a instalação dessa crise de abastecimento de água, é necessário que nossos governantes assumam sua responsabilidade sobre o problema, deixem de lado as medidas paliativas que apenas adiam a solução, e procurem encarar a gestão da água com seriedade.
Nesse caso, instrumentos de planejamento – tais como projeções populacionais e de crescimento da indústria, agropecuária e serviços –, além de levantamentos hidrológicos e estudos técnicos devem ser utilizados para auferir o comportamento dos recursos hídricos ao longo do tempo, com relação, principalmente, à disponibilidade de água para atendimento das demandas futuras. Todas essas informações devem servir de base para a gestão da água, em particular no que se refere à prospecção de novos investimentos e o aumento da capacidade de abastecimento, além das medidas de contingência possíveis durante períodos de crise hídrica.
Hoje o governo está fazendo a população pagar três vezes pela crise causada por ele. Primeiro com a falta de água, o racionamento; segundo com o aumento da tarifa e cobrança de sobretaxas; e terceiro com os prejuízos causados pela falta de água, que serão repassados aos produtos da indústria e agropecuária. 
Precisamos fazer nossa parte, utilizar a água com responsabilidade e evitar o desperdício. Mas não podemos ser responsabilizados e penalizados por décadas de descaso e omissão daqueles que passaram pelo governo do estado de São Paulo. 

COLUNISTAS / Savio de Carvalho

Sávio de Carvalho Pereira, natural de Lorena, é pai da Luane e mestre em Engenharia Química pela Faenquil (hoje EEL-USP). Amigo, leal, bem humorado, teimoso, é realista, mas sem perder o idealismo, sobretudo quando se trata de construir um mundo melhor para se viver, onde haja harmonia entre o ser humano e o meio ambiente.


saviocp@outlook.com

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